Os quilombos e o silêncio patrimonial: o que falam os processos de tombamento dos antigos quilombos?

Paulo Fernando Soares Pereira

Resumo


O artigo tem como objetivo discutir os achados de pesquisa encontrados nos processos administrativos de tombamento dos sítios com reminiscências históricas dos antigos quilombos em tramitação junto ao IPHAN. O que é possível extrair desses processos aparentemente desprovidos de informações? Faz-se a diferenciação, de forma dual e não mais binária, entre patrimonialidade (art. 216, § 5º) e contemporaneidade quilombola (art. 68 do ADCT), ambas da Constituição brasileira. A metodologia consistiu análise crítica de literatura e na análise documental de 21 (vinte e um) processos, os quais evidenciaram as seguintes questões, propostas ao longo do texto: a) prevalência de binarismo entre patrimonialidade e contemporaneidade quilombola; b) a data de autuação dos processos, geralmente, é anterior ao Decreto nº 4.887/2003; c) a participação das comunidades quilombolas é diminuta e pouco estimulada; d) ignoram a dinamicidade e complexidade dos quilombos. Como conclusão, propõe-se um maior diálogo entre Estado e comunidades quilombolas, aprofundando-se as discussões raciais e dissipando-se a ferida colonial que faz permanecer o racismo institucional e cultural nas ações estatais e da sociedade civil.


Palavras-chave


Tombamento; Quilombos; Silêncios; Racismo; Inclusão.

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